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Mergulhado na pior crise da história, o setor de transporte aéreo terá de se reinventar. A demanda global por viagens, que despencou quase 95% em abril em relação ao ano anterior, inicia uma lenta retomada. Não sem estragos pelo caminho. A pandemia do novo coronavírus colocou no chão 80% das frotas da maioria das companhias aéreas do mundo. Governos de vários países tiveram de socorrer as empresas, sob pena delas não tirarem mais as aeronaves do pátio. No Brasil, a ajuda prometida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ainda não decolou, enquanto mudanças regulatórias garantem fôlego mínimo ao setor.
Após a falência da Avianca, três companhias dominam o mercado doméstico, sendo que Azul e Latam firmaram um acordo de compartilhamento de voos que pode avançar para uma fusão, embora nenhuma das duas confirme. O diretor de Relações Institucionais da Azul, Marcelo Bento, explica que o codeshare é uma medida que vem sendo adotada por várias companhias. “Há investimentos governamentais pesados em alguns países. Todo mundo buscando a sobrevivência. A Azul, de concreto, tem o apoio mútuo com a Latam, porque a negociação com o BNDES é lenta. Não é um pacote de pai para filho. Está avançando aos poucos”, assinala. “Não sairemos ilesos da crise, mas estaremos vivos”, garante.
Além do acordo, a Latam entrou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos, por meio do Chapter 11 (capítulo 11), um mecanismo da legislação norte-americana que assegura proteção temporária contra credores. “As projeções mais otimistas apontam que o setor aéreo demandará pelo menos três anos para superar o impacto desta crise”, justifica a empresa. A união das principais concorrentes não assusta a Gol, que acredita no codeshare como uma alternativa que “induz à racionalização do mercado”. “O equilíbrio entre a oferta e a demanda é fundamental para a aviação sustentável. A Gol possui parceria com a Voepass em trilhos regionais e diversas alianças internacionais”, afirma.
Para atravessar “a pior crise da história da aviação”, o apoio governamental é fundamental, avalia Dany Oliveira, diretor-geral da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) no Brasil. “O Projeto de Lei de Conversão 23/2020 (da MP 925/2020), em análise para sanção presidencial, tem providências essenciais para a retomada. As medidas são importantes e devem estar acompanhadas de outras ações, como o pacote financeiro do BNDES que precisa, rapidamente, irrigar o capital de giro das companhias”, diz.
AIata sustenta que já há indicações de que o tráfego está melhorando lentamente. Contudo, os níveis, medidos em passageiros-quilômetros pagos transportados (RPKs), terão queda de 54,7% em 2020 em relação a 2019. O número de passageiros cairá pela metade, atingindo 2,25 bilhões, patamar de 2006. “A demanda global de passageiros deve ultrapassar os níveis de 2019 em 2023, enquanto os mercados domésticos devem atingir os patamares pré-pandemia em 2022”, estima.
Gonzalo Yelpo, diretor da Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (Alta), diz que, em setembro, todas as restrições de mobilidade estarão suspensas na região. “A recuperação, no entanto, será progressiva. As companhias começarão a operar com menos rotas, menos aeronaves e menos passageiros. Em dezembro, a estimativa é de chegar a 50% da capacidade e, pouco a pouco, ir recuperando o tráfego na região”, diz. Estudo da consultoria internacional em aviação ICF aponta que, apenas em 2025, os níveis de 2019 serão recuperados.
O setor contribui com 8,1% do Produto Interno Bruto (PIB) latino-americano e caribenho, segundo a Alta. “A América Latina tem uma geografia complexa. Não temos alternativas, como transporte ferroviário, e o avião é vital para conectar todos os cantos”, explica Yelpo. No entanto, as viagens de negócios podem nunca mais retornar aos níveis pré-pandêmicos, admite. “O setor será afetado permanentemente. O volume de passageiros corporativos não voltará”, reconhece.
Na opinião de Eric Hadmann, advogado do Gico, Hadmann e Dutra Advogados, os passageiros que viajam a trabalho, pagando tarifas cheias, vão diminuir. “As empresas estão se aclimatando às soluções da internet. Como o volume de oferta está sendo reduzido, haverá um novo ponto de equilíbrio”, prevê.
O presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz, destaca que é cedo para avaliar a reação do mercado corporativo. “Os setores estão se comportando de forma diferente. Dependemos do retorno dos segmentos que geram viagens. Do ponto de vista do lazer, a situação é ainda mais complicada, porque quem conseguiu manter renda e emprego vai se preservar. Ninguém sabe o tamanho da crise”, avalia.
Por isso, diz Sanovicz, o setor está sendo cuidadoso no processo de retomada. “Vamos colocar os voos conforme a demanda”, afirma. No pior momento da crise (veja quadro), em abril, havia 180 voos diários, o equivalente a 8,5% do normal. “Estamos com 600 voos agora, menos de 30% do normal, e vamos chegar a 65% ou 70% no fim do ano”, projeta. Nas viagens internacionais, a situação é mais drástica, porque há restrições à entrada de brasileiros ou de pessoas que passaram pelo Brasil em vários países. “O mercado brasileiro não vai ser do mesmo tamanho no fim de 2020. Talvez recupere a média de 100 milhões de passageiros por ano no fim de 2021.”
A crise freou a ampliação do mercado de aviação comercial no país. Com mudanças regulatórias que tornaram as regras mais aderentes às internacionais, o Brasil começava a atrair empresas de baixo custo antes da pandemia. Apesar da retração provocada pelo novo coronavírus, o potencial do mercado não encolheu, assegura o diretor da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) no Brasil, Dany Oliveira. “O Brasil pode alcançar mais de 472 milhões de passageiros ao ano, empregando de 3,2 milhões de pessoas até 2037, caso resolva gargalos, como alto custo de operação, especialmente combustível de aviação, judicialização e ineficiências do sistema”, afirma.
De olho nesse potencial, duas novas companhias pretendem alçar voo já em 2021. A Nella Linhas Aéreas vai atender ao mercado regional, com quatro aviões turboélices ATR-42, com capacidade para 48 passageiros. Baseada em Brasília, quer focar nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O CEO da empresa, Maurício Souza, brasileiro que mora em Orlando, diz que a Nella não vai oferecer concorrência às grandes companhias. “Nossa empresa estava planejada há três anos e ia buscar parceria com as grandes do mercado, que estão com problemas agora. Nossa companhia veio para sanar uma lacuna”, conta.
Com o perfil de complementar rotas, a Nella tem um acordo em andamento com uma das grandes. “Queremos atender onde o custo do jato é muito alto. Com o ATR podemos suprir certas demandas, porque a máquina é barata, o consumo é muito menor”, explica Souza. “Ainda esperamos o retorno da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), mas, a ideia é voar em março ou abril do ano que vem”, ressalta.
Consolidado no transporte terrestre, o Grupo Itapemirim também planeja voar no primeiro semestre de 2021. O processo na Anac já está em andamento e a empresa tem como foco inicial os hubs de Brasília, Guarulhos (SP) e Recife, conectando diversas cidades. As rotas e as aeronaves ainda estão sendo definidas.
O CEO do grupo, Rodrigo Vilaça, acredita que as mudanças no setor aéreo serão transitórias e em um período curto. “Havendo vacina, tudo voltará ao que era antes, talvez com algumas exceções. Não acredito numa concentração maior no setor aéreo”, diz.
Para ele, o setor de transporte já está mobilizado para encontrar soluções e alternativas para a retomada. “Entre as principais tendências, destaco iniciativas que prezam pela integração dos meios e pela oferta de serviços de alta qualidade, que garantam conforto e segurança aos passageiros”, diz. “A Itapemirim é uma das empresas de transporte mais tradicionais do país. Celebramos o novo momento com a entrada no setor aéreo. Para os próximos meses, temos o grande desafio de criar uma companhia prime”, acrescenta.